Para Madalena Soares, mãe de Alice - que acabou de fazer cinco anos – as suspeitas chegaram quando a filha tinha três. Durante as férias de verão na Beira Interior, deu com ela de respiração acelerada como se tivesse acabado de correr. No entanto, estava parada e não tinha feito esforço algum. Ainda a pôs a dormir a sesta, mas estava desassossegada e foi-lhe velando o sono. A respiração aceleradíssima mantinha-se. Acordou-a e seguiram para o hospital mais próximo, em Viseu, onde a colocaram a fazer broncodilatadores através de aerossol. O vaticínio chegou pela mão de algumas crises depois: Alice faz parte dos cerca de 15 por cento de crianças em Portugal que sofre de asma (o que equivale a quase 200 mil crianças).

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Ora com asma, ora sem ela

No caso de Alice, o único padrão no aparecimento das crises é a mudança de estação e uma gripe ou constipação recente. “Começa com tosse e pieira, a fungar e depois vem a dificuldade respiratória”, conta a mãe. Sintomas bastante típicos, que se enquadram na tríade da asma, bem conhecida dos pediatras.

“A tosse, a pieira e a farfalheira são expressões diretas das três alterações que ocorrem na crise de asma: a diminuição do calibre das vias respiratórias, o edema das mesmas e a produção acrescida de muco”, explica Carlos Barradas, pediatra com subespecialização em alergologia pediátrica.

A asma alterna os períodos assintomáticos com aqueles em que, embora com sintomas, o paciente tem uma vida normal e outros, em que ocorrem crises, que condiciona o funcionamento dos pulmões e comprometem a qualidade de vida. Estes últimos, conta Carlos Barradas, ocorrem sobretudo quando o asmático é exposto ao alérgeno a que é sensível, a fatores como fumo, poluição e condições climatéricas adversas ou perante infeções. “São elementos que desequilibram o efeito controlador da terapêutica, provocam um aumento súbito da inflamação típica da doença e, com isso, uma menor capacidade de ventilar o pulmão”.

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E muito embora o diagnóstico de asma seja sobretudo clínico, através dos sintomas descritos pelos pais, há alguns exames que podem ser feitos. As provas de função respiratória, por exemplo, incluem um exame muito simples – chamado espirometria – que serve para perceber se existe ou não obstrução dos brônquios.

O 1º Inquérito Nacional sobre Asma, realizado em 2011, revelou que apenas metade dos portugueses com asma realizou estas provas, mas Nuno Neuparth, professor associado de Fisiopatologia da Nova Medical School e especialista em Imunoalergologia do Hospital de Dona Estefânia, defende que todos os asmáticos as deviam fazer. Isto porque, embora a maior parte dos asmáticos só tenha os brônquios obstruídos durante a crise – e apresente, portanto, exames normais -, outros têm sempre algum grau de obstrução dos brônquios. “E estes casos devem ser identificados e requerem um tratamento diferenciado.”

Esse será provavelmente o próximo passo para Alice, que depois de dois anos a ser seguida pelo pediatra, tem marcada para breve a sua primeira consulta de imunoalergologia. As crises não são muito frequentes (em dois anos teve cerca de dez), mas esta situação relativamente controlada implica que seja cumprido um plano preventivo: além da medicação anti-inflamatória preventiva e de um antialérgico nas alturas de mudança de estação, em casa há sempre medicação para o controlo de episódios agudos administrada através do aerossol ou câmara expansora.

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Herança para toda a vida

Na criança as manifestações de alergia variam com a idade. “As manifestações de eczema e alergia alimentar ocorrem na primeira infância, ao passo que a asma brônquica surge mais tarde, a partir da idade pré-escolar, embora possa aparecer muito mais precocemente”, explica o imunoalergologista Luís Miguel Borrego.

Alice adiantou-se um pouco na manifestação da asma, mas em bebé tinha pele atópica e eczemas frequentes. Em muitos casos estas doenças coexistem: a maioria dos asmáticos tem rinite, quase metade das crianças com rinite podem ter ou vir a sofrer de asma e mais de metade das crianças com eczema atópico podem vir a desenvolver asma ou rinite.

Além disso, Alice teve desde sempre as estatísticas contra si, sendo filha de um pai com asma, já que as doenças alérgicas são de carácter familiar. “Há cerca de 25 por cento de probabilidade de ocorrência de doença alérgica num filho se existem sintomas de alergia num dos progenitores e de cerca de 50 por cento se forem ambos”, esclarece o imunoalergologista.

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Desaparece ou não?

Talvez porque é usada a expressão “asma infantil” ou talvez porque naturalmente esse é o desejo dos pais, certo é que muitos acham que a asma pode desaparecer com o crescimento. “É um mito, infelizmente”, revela o pediatra Carlos Barradas. E um mito prejudicial já que condiciona a adesão à terapêutica que, com o passar dos anos, passa a ser menos boa.

Mesmo não sendo fã de dar medicação à filha, Madalena cumpre com plano terapêutico traçado, mesmo quando os efeitos secundários lhe desagradam. “A medicação para as crises acelera imenso o batimento cardíaco, de tal forma que a Alice fica a tremer. Eu própria já experimentei para perceber qual é a sensação e garanto que é horrível.” Ainda assim, entende que é um “mal” necessário, pior seria ver a filha passar o dia em esforço para respirar.

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Esta aversão aos medicamentos para a asma e aos seus eventuais efeitos secundários é uma reação muito familiar para Luís Miguel Borrego. Assim, deixa um alerta: é importante desmistificar a fobia da utilização de alguns dos medicamentos usados no tratamento da asma para que as crianças possam ter um tratamento eficaz.

“Os corticosteróides inalados são seguros se usados nas doses corretas e os broncodilatadores se bem utilizados não ‘fazem mal ao coração’ como muitos acreditam, sendo fundamentais para o tratamento da crise de asma.

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Crónica, mas controlável

Além dos medicamentos, preventivos e sintomáticos e das vacinas anti-alérgicas, o controlo da asma passa por evitar a exposição aos ácaros e pólenes e, claro, a exposição zero a fumo de tabaco. Quanto à atividade física, que no passado era considerada desaconselhada, “sabe-se hoje que cumprindo o plano de controlo da doença feito pelo médico, a criança pode e deve participar em atividades físicas”, defende o imunoalergologista.

Mas nem só em casa, pelas mãos dos pais, é importante haver medidas preventivas. Também as creches e infantários podem melhorar a qualidade do ar. Nuno Neuparth foi um dos investigadores que, em 2012, levou a cabo o estudo “Ambiente e Saúde em creches e infantários”, com o objetivo de avaliar o impacto da qualidade do ar destes espaços na saúde das crianças. E, depois de medida a concentração de dióxido de carbono no interior das salas de 45 creches e infantários, as conclusões a que chegou não foram favoráveis à saúde respiratória das crianças, principalmente as asmáticas. “Tivemos oportunidade de verificar que, em alguns casos, os níveis de dióxido de carbono estava aumentado e que esse aumento se relacionava com um aumento da frequência dos episódios de sibilância, uma manifestação típica da asma, no ano interior”, revela Nuno Neuparth. Solução? Muito simples: aumentar a ventilação natural. “Se se abrirem as janelas e portas sempre que as crianças não estiverem a ocupar as salas aumenta-se a renovação do ar, que se torna mais saudável”.

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ABC da prevenção

A maioria dos asmáticos são alérgicos aos ácaros do pó doméstico e/ou a pólenes. O imunoalergologista Luís Miguel Borrego deixa um mini-guia de cuidados essenciais.

Combate aos ácaros da casa…

  • Eliminar alcatifas, tapetes grossos, cortinados e papel de parede
  • Preferir móveis lisos e pouco trabalhados
  • Não ter televisão nem computador no quarto
  • Não guardar livros, CD´s e bonecos de peluche no quarto
  • Usar edredões sintéticos (não de penas), em vez de cobertores
  • Utilizar almofadas de espuma e substituí-las periodicamente
  • Evitar os lençóis de flanela
  • Lavar a roupa de cama a temperaturas superiores a 55ºC
  • Usar coberturas anti-ácaros para almofadas e colchões
  • Usar aspiradores com filtro HEPA (high efficiency particulate air).

… e aos pólenes da rua

  • Utilizar filtros de partículas no carro e viajar com as janelas fechadas
  • Na rua colocar óculos escuros às crianças
  • Evitar ou reduzir a prática do desporto no exterior
  • Em casa manter as janelas fechadas, durante o dia.

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Fonte:

Sofia Teixeira

Pais & Filhos, número 298, novembro 2015

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