Durante muitos anos, Catarina Ferreira dedicou-se intensamente à carreira profissional e foi adiando o projeto de ter filhos. Quando fez 38 anos, decidiu que estava na “altura certa” e parou a contraceção. “Sempre pensei que fosse fácil engravidar, afinal de contas eu era saudável, alimentava-me bem, praticava exercício físico… Estava redondamente enganada!”, conta. Poucos meses depois, descobriu que tinha quistos nos ovários e submeteu-se a uma cirurgia para os remover. “Mesmo assim, não conseguimos engravidar.”

Passado quase um ano, Catarina e o marido decidiram ir a uma consulta de infertilidade. “Nessa altura, estava confiante. Sabia que os avanços tecnológicos ao nível das técnicas de procriação medicamente assistida (PMA) já ofereciam resultados muito animadores e entrei no processo otimista e decidida a fazer tudo o que estivesse ao meu alcance.” Fizeram os exames necessários para investigação clínica da causa de infertilidade e iniciaram um primeiro ciclo de fertilização in vitro (FIV).

“Sem sucesso.” Repetiram mais duas vezes, mas a gravidez não se confirmou. “Aí fui-me abaixo, senti que tudo se desmoronava à minha volta. Eu, que estava habituada a ser uma mulher de sucesso a nível profissional e uma pessoa bem resolvida, tive muita dificuldade em aceitar que não conseguia ter um filho. Tive que fazer uma pausa e tentar ‘esquecer’ o assunto, pois não estava a conseguir lidar com toda a pressão que os tratamentos geram e com as desilusões sucessivas.”

Quando sentiu que já tinha forças para retomar a luta, regressou à clínica e, desta vez, o médico propôs um método diferente de FIV: a microinjeção (injeção intracitoplasmática ou ICSI, em que um espermatozóide selecionado é injetado diretamente dentro do ovócito). “A gravidez foi confirmada, para nossa grande alegria, mas passadas nove semanas sofri um aborto espontâneo.” Nossa desilusão, mais lágrimas, mas o casal não desistiu. “Repetimos a ICSI e finalmente correu tudo bem: o nosso Francisco nasceu às 39 semanas, saudável e lindo. Não há palavras para descrever a felicidade imensa que é termos o Francisco na nossa vida… Foi duro, foi uma luta desigual e muito frustrante, mas valeu todo o esforço.”

Catarina e o marido são apenas um exemplo dos milhares de casais portugueses que se deparam com problemas de infertilidade quando decidem ter filhos. De acordo com dados recentes, em Portugal, 1,7 por cento das crianças nascem como resultado das técnicas de PMA. São processos muitas vezes longos, penosos e nem sempre bem-sucedidos. Mas para uma grande parte dos casais, culminam no tão desejado filho. Um sucesso viabilizado pela evolução das técnicas, que parecem acompanhar o crescente número de casais que a elas precisa de recorrer. Na primeira edição da Pais&Filhos, o tema da infertilidade esteve em destaque numa reportagem de sete páginas, onde se anunciavas duas novas e promissoras técnicas: a GIFT e a ZIFT (transparência de gâmetas e zigotos – respetivamente – para as trompas). Vinte e cinco anos passados estes avanços, o que mudou no tratamento da infertilidade?

Infertilidade: Avanços e Esperanças

“Há dois avanços fundamentais nos últimos 25 anos: a microinjeção intracitoplasmática (ICSI) do espermatozóide e o diagnóstico genético pré-implantação”, esclarece Alberto Barros, diretor do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina do Porto e pioneiro em Portugal da inseminação artificial intrauterina e da ICSI. “A FIV com microinjeção complementa a técnica clássica da FIV porque vem resolver situações de fator masculino graves ou muito graves (como um número muito baixo de espermatozóides ou com mobilidade reduzida ou nula ou situações em que não há ejaculação de espermatozóides apesar de serem produzidos nos testículos).”

A microinjeção, tal como o nome sugere, permite que um espermatozóide seja colocado diretamente dentro do óvulo e este “pormenor” pode fazer toda a diferença. “foi um avanço espantoso. Muitas situações que até então (anos 90) não tinham solução (e que só podiam ser resolvidas com recurso a espermatozóides de dador) passaram a ser resolvidas”, lembra Alberto Barros, que não tem dúvidas em afirmar que a ICSI revolucionou a PMA.

Embriões mais fortes

O segundo grande avanço prende-se com o diagnóstico genético pré-implantação. “A realização de uma biópsia ao embrião, no terceiro ou quinto dia de desenvolvimento, permite identificar a presença de genes com mutações que desencadeiam doenças genéticas graves (como é o caso da paramiloidose, a doença dos pezinhos) e transferir apenas para o útero os embriões que não são portadores desses genes.” O diagnóstico é feito em laboratório antes da transferência dos embriões com genes portadores de doenças genéticas graves e a posterior interrupção da gravidez (às 14,20, 22 semanas…) com as consequências físicas e sobretudo psicológicas que daí advêm”, diz Alberto Barros.

Estas são as duas grandes revoluções na área nos últimos 25 anos, depois da fertilização in vitro. “Tudo o que tem havido entretanto são aperfeiçoamentos dessas técnicas que permitem que as taxas de sucesso vão aumentado progressivamente e que os riscos (nomeadamente o de gravidez gemelar) vão diminuindo. Hoje temos taxas de sucesso cada vez maiores e ao mesmo tempo riscos menores”, assegura o especialista. Pelo caminho ficaram a GIFT e a ZIFT: “Foram técnicas que na altura geraram alguma expectativa, mas não tiveram evolução. Nem são relevantes na história da PMA.”

Infertilidade: Avanços e Esperanças

Menos gémeos

Diminuir a taxa de gravidez de gémeos é um dos objetivos do aperfeiçoamento das técnicas de PMA. Segundo as orientações do Conselho Nacional de OMA, só devem ser transferidos um ou dois embriões em cada ciclo de FIV, sendo que a transferência de três embriões deverá ter um caráter excecional. “Eu costumo dizer que se a competência médica mandasse, não haveria gémeos. Claro que mais vale dois que nenhum, mas devemos ter a preocupação de não tentar a gravidez a todo o custo, porque os riscos da gravidez gemelar são elevados. Hoje, nas mulheres jovens é comum transferir-se apenas um embrião”.

Aliás, a idade da mulher no momento de tratamento é um fator muito importante para um bom prognóstico. “É cada vez mais frequente virem à consulta mulheres com mais de 40 anos. Ora do ponto de vista cronológico, uma mulher com 40 anos é jovem, mas no plano procriativo essa juventude já não existe. Porque a qualidade dos ovócitos diminui, porque há alterações estruturais a nível genético que diminuem a probabilidade da gravidez e, mesmo quando ela acontece, existe um risco progressivo de abortamento”, lembra Alberto Barros, sublinhando que “é muito importante chamar a atenção dos casais para, se possível não atrasarem de forma desnecessária a gravidez”. Se no homem a idade é pouco mais “do que um pormenor” na mulher é “muito importante”. E por vezes nem técnicas mais avançadas conseguem ultrapassar essa barreira.

Infertilidade: Avanços e Esperanças

Última tentativa

Luísa Costa, 40 anos, deixa um conselho a todas as mulheres que queiram engravidar, antes de contar à Pais&Filhos a sua luta contra a infertilidade: “Não deixem passar o tempo, ele voa, e o corpo não é o mesmo aos 20 ou 30 anos…” Como tantos outros casais, Luísa e o marido adiaram a chegado do primeiro filho para “progredir na carreira, viajar, aproveitar a vida”.

Aos 34 anos, Luísa achou que “estava na hora”, foi ao ginecologista, fez exames e parou de tomar a pílula. “Fiz medicação para estimular ovários, e assim passaram dois anos.” Já estava com 36 anos e a ficar “cada vez mais preocupada e ansiosa, muitas idas à farmácia para comprar testes de gravidez… Houve fases muito más.” Entretanto, Luísa acabou a segunda licenciatura e decidiu mudar de vida profissional. Deixou o trabalho, “mas depois meteram-se os tratamentos e deixei a minha carreira profissional de lado, o que tornou este processo mais difícil. Todo o dia a pensar no mesmo: quando?”. Cansado de esperar, o casal decidiu procurar um especialista em infertilidade. “Fiz novos exames e descobri que tinha endometriose, mas a médica estava otimista e isso deu-me força. Nessa altura ainda tinha muita esperança porque íamos fazer FIV. Durante dois anos, fiz duas transferências de embriões e nada. Aí comecei a pensar que era o fim. Sentia o corpo cansado e estava psicologicamente esgotada. E claro, o meu marido também… É um desgaste muito grande.”

Luísa pensou em desistir, mas ainda arranjou força para procurar uma segunda opinião. “Novos exames, novo problema: tinha uma fibrose no útero. Fiz uma raspagem para retirá-la, mas ela volta sempre. É por isso que os embriões não se implantam.” Ainda assim, estavam otimistas: “Na primeira FIV feita pelo novo médico engravidei. Foi um momento de êxtase, uma felicidade imensa que demorou poucos dias…” O aborto espontâneo não a derrotou e voltaram a tentar. “Desta vez não resultou”. Foi a quarta tentativa de FIV, fora todos os outros tratamentos. “Foi há um ano. Estávamos já muito cansados e eu já com 39 anos quase 40.”

Infertilidade: Avanços e Esperanças

Preencher o vazio

Luísa decidiu descansar e pensar apenas nela. “Tinha engordado 10 kg, não tinha vontade de nada, não trabalhava, estava desmotivada… Apesar de ter sempre o apoio incondicional do meu marido, estava muito em baixo. Comecei a fazer desporto, emagreci 12 kg, deixei de ter problemas de saúde relacionados com a ansiedade… e hoje sou feliz, embora ainda sofra com isto. Acredito que irei ter sempre este ‘buraco’ mas que posso preencher de outras maneiras. Não sei se já passou o timming de ser mãe, mas vou tentar uma última vez. Tenho dois embriões congelados que não quero deixar lá. São meus! Se não os tivesse ficava por aqui, mas para ficar bem comigo própria vou fazer uma última tentativa.”

Luísa ainda tem esperança, mas sabe que a probabilidade de conseguir engravidar é reduzida. O desejo de ter um filho é superior à dura realidade da estatística, mas no seu caso nem os avanços mais revolucionários que aconteceram até agora permitem a concretização do sonho. No futuro esperam-se novos progressos, quem sabe promissores para casos como este. Mas, para já, nada comparável aos três marcos da PMA: FIV, ICSI e diagnóstico genético pré-implantação.

Infertilidade: Avanços e Esperanças

Mais sucesso, menos riscos

“Nos próximos anos, o que se espera é melhorar pormenores para que as taxas de sucesso possam progredir progressivamente. Não é de esperar que surja um grande avanço, como foi a FIV e a microinjeção. Esses sim, foram grandes saltos. Avanços desses só porventura no domínio da ficção, um dia, quando a dita clonagem procriativa puder estar no terreno, mas depois de ultrapassadas questões fundamentais de ordem biológica e ética”, considera Alberto Barros, para quem o importante é “trabalhar para aumentar a taxa de sucesso e manter ao mesmo tempo a preocupação permanente de diminuir os riscos”.

Infertilidade: Avanços e Esperanças

FIV sem riscos para saúde do bebé

As crianças concebidas através de Fertilização In Vitro (FIV) não apresentam, a longo prazo, riscos acrescidos de saúde ou uma especial incidência de problemas de desenvolvimento e comportamentais, garantem investigadores norte-americanos do Centro Nacional Eunice Kennedy Shriver para a Saúde da Criança e Desenvolvimento Humano. A equipa realizou um estudo alargado para tentar responder a uma dúvida antiga, que diz respeito a eventuais sequelas da FIV a longo prazo. Durante oito anos, os cientistas compararam a saúde e o desenvolvimento de 1800 crianças nascidas após FIV com quatro mil crianças concebidas naturalmente. Não foram encontradas quaisquer diferenças estatísticas entre os “bebés FIV” e os “bebés não-FIV”. As nossas conclusões sossegam as inquietações de muitos casais que recorreram a esta técnica para constituírem família “.

Infertilidade: Avanços e Esperanças

Fonte:

Teresa Martins

Pais & Filhos, número 301, fevereiro 2016

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