É evidente, para todos aqueles que têm filhos (ou mesmo sobrinhos), que cada criança tem o seu temperamento próprio, ou seja, uma tendência inata para agir de determinada forma perante uma situação. Esta tendência está presente desde o nascimento e é composta por diferentes traços individuais que existem em todas as crianças, cada um deles em maior ou menor grau. Para quem lida frequentemente com crianças é evidente que logo desde muito cedo alguns traços de personalidade são manifestos, como a criança que se irrita mais facilmente ou aquela que se adaptar melhor a situações novas ou inesperadas. Muitas vezes, logo nas primeiras consultas de pediatria, a forma como o bebé reage e interage com o pediatra é muito reveladora dos seus traços de temperamento. A vantagem de termos este conhecimento é que se conhecermos bem os traços de temperamento dos nossos filhos podemos facilmente prever como eles vão reagir a determinadas situações. 

Uma questão de feitio

 

As crianças mais difíceis 

Muitos estudos foram já realizados na tentativa de identificar os principais traços de temperamento que todas as crianças possuem e que podem estar presentes, em cada uma em particular, em maior ou menor grau.

Os oito traços de personalidade descritos são: Persistência; Intensidade; Regularidade; Distratibilidade; Sensibilidade; Adaptabilidade; Reatividade e Humor.

Todas as crianças têm estes traços numa intensidade diferente e é da mistura de todos eles que resulta aquilo a que chamamos o seu temperamento.

As crianças mais difíceis são as mais persistentes, mais intensas, de adaptação difícil a novas situações, desatentas por natureza, demasiado sensíveis, para quem tudo é fonte de ansiedade, que precisam de tempo para se adaptar a novas situações e com um humor predominantemente negativo. Se tem um filho com todas estas características está seguramente a viver um pesadelo e precisa de toda a ajuda que puder obter pois a tarefa que a espera será bem árdua.

Mas felizmente nem tudo é mau. Os nossos filhos terão alguns traços mais vincados, outros mais leves. Alguns serão mais persistentes, outros mais intensos, mas, de uma forma geral, misturam alguns traços mais fortes com outros mais suaves. Tudo se torna mais fácil se os traços de temperamento forem semelhantes aos nossos porque quando não o são temos mais dificuldade em os perceber ou aceitar.

É fundamental conhecermos estes traços pois isto vai permitir-nos antecipar a reação da criança a determinada regra e adaptar a nossa própria forma de educar ao temperamento de cada um dos nossos filhos, para que se torne mais eficaz. Só assim conseguiremos levar a água ao nosso moinho.

Uma questão de feitio: traços de temperamento

Os oito traços de personalidade

Persistência. Até onde vai a criança na resistência aos limites que lhe são impostos? É mais persistente ou menos persistente nas suas tarefas e atividades?

Intensidade. De que forma reage a criança quando é contrariada? De forma suave ou para ela tudo é um drama?

Regularidade. De que forma a criança se adapta às rotinas do dia-a-dia? A adaptação é fácil ou difícil?

Distratibilidade. A criança consegue dedicar-se a uma tarefa ou é distraída por natureza? É mais concentrada ou, pelo contrário, mais desatenta?

Sensibilidade. De que forma a criança reage aos estímulos e às situações novas? É mais ou menos sensível? Sofre em demasia com as situações?

Adaptabilidade. Como é que a criança se adapta a novas situações ou a alterações na sua vida? A adaptação é fácil ou apenas mais uma fonte de ansiedade?

Reatividade. Qual a forma como reage quando confrontada com uma nova situação? Rápida ou gradualmente? Está sempre tudo bem ou precisa de tempo para se adaptar?

Humor. Qual é o seu humor preferencial? É uma criança alegre e descontraída ou pessimista, séria e negativa? 


Temperamento e comportamento são coisas diferentes 

Muitos pais passam dias, meses e anos a tentar mudar o temperamento dos seus filhos. Querem um conselho? Desistam! O temperamento nasce com a criança, faz parte do “pacote”. E todos nós seremos mais felizes se aceitarmos o temperamento dos nossos filhos como um facto da vida.

O que pretendemos (e podemos) mudar é o seu comportamento, o que é uma coisa bem diferente. O comportamento resulta, em parte, do temperamento que nasce com a criança mas também da forma como os pais lidam com esse temperamento. É o modo como nós lidamos com a criança que determina, em grande medida, se um determinado traço de temperamento se torna com o tempo, ou não, problemático. Esta moldagem envolve principalmente o exemplo dado pelos pais, mas também o reforço das atitudes corretas e a punição das atitudes incorretas, como parte da educação do dia-a-dia.

A nossa função consiste em moldar o temperamento para que o comportamento seja aceitável. Uma criança persistente será sempre persistente, mas pode ser apenas isso ou a criança mais teimosa que conhecemos. Em grande parte isso vai dever-se à forma como lidamos com ela. Perante uma criança persistente temos de ter um cuidado acrescido com a coerência dos nossos atos. Ameaçar e não cumprir vai exacerbar ainda mais esse traço. Pelo contrário, ser claro, direto e firme, vai levar a uma maior aceitação, por parte da criança, daquilo que pretendemos.

No outro extremo, o sentido de humor da criança vai ter tendência a manter-se ao longo da sua vida e pode ser naturalmente utilizado pelos pais para conseguir antecipar ou resolver algumas situações. Levar as coisas para a brincadeira pode ser uma excelente estratégia para resolver alguns dramas.

Influências externas

Para além da reação dos pais, outros acontecimentos externos podem também influenciar o comportamento da criança. Um exemplo é o divórcio ou re-casamento dos pais, com tudo o que acarreta de adaptação da criança a uma nova realidade. Também a situação económica da família e os problemas dos pais (de saúde ou no trabalho) podem igualmente influenciar a forma como a criança vê o mundo que a rodeia e moldar o seu comportamento. Por fim, todos sabemos que a televisão, a internet e os amigos podem ter enorme influência no comportamento da criança.

Aceitar o temperamento e moldar o comportamento é a nossa missão como pais e mães. Muitos pais gastam demasiado tempo e energia a tentar mudar o temperamento dos filhos. Não deve ser esse o nosso objetivo. Pelo contrário, devemos pegar no temperamento do nosso filho e guiá-lo, moldá-lo e levá-lo na direção correta. Não é fácil, mas é possível e principalmente vale a pena.

As crianças mais difíceis testam mais, resistem mais, protestam mais, dramatizam mais e esticam mais a corda. E conseguem provocar nos pais reações e emoções mais fortes, por vezes desesperadas. Mas não fazem parte de nenhuma conspiração mundial para tornar a nossa vida miserável. A maioria são crianças perfeitamente normais que precisam apenas da nossa ajuda para se tornarem melhores.

O “não” é fundamental

Acontece todos os dias a criança querer alguma coisa, seja atenção, comida, um brinquedo, ou mil e uma outras coisas, mas o pai ou a mãe não considerarem que essa é a melhor altura para satisfazer o desejo daquela personagem. E o que acontece? Ela resolve colocar em prática alguma ou várias das suas técnicas de persuasão de forma a tentar conseguir o que pretende. E o que é pior? É que muitas vezes o consegue. Por isso é importante os pais saberem com o que podem contar de forma a não se deixarem enganar.

Mas, a questão principal não é se as crianças tentam manipular os pais, pois isso já sabemos que é verdade. A questão principal é se os pais se deixam levar pela manipulação da criança. Educar implica, de vez em quando, provocar alguma frustração nos nossos filhos, não lhes dar tudo o que pedem ou se acham no direito de obter. E isso não tem nada de mal. O “não” é uma palavra fundamental na educação dos nossos filhos.

Um conselho: seja firme e não deixe de fazer aquilo que acredita ser o melhor para eles, independentemente da pressão a que vai ser sujeita. É para o bem de todos.

Em conclusão 

Temos de conhecer bem os traços de temperamento dos nossos filhos. Dessa forma podemos antecipar a forma como irão reagir perante novas situações e adaptar a nossa atitude de forma a tornar a disciplina mais eficaz. O comportamento pode ser moldado. Primeiro, pelo exemplo dado pelos pais, seguido de elogios frequentes e eventualmente castigos pontuais. E se soubermos quais as formas de manipulação preferidas pelos nossos filhos não nos deixaremos cair tão facilmente nessas armadilhas.


Fonte:

Paulo Oom, Revista Pais&filhos, número 292, maio 2015

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