"Odeio-me. Quando vejo as fotografias que as outras raparigas põem nas redes sociais, sinto-me feia e penso que não valho nada”. “Tenho sempre vontade de chorar. Parece que toda a gente tem mais amigos que eu e uma vida melhor que a minha”. “Sou gordo e sinto-me sempre mal. As raparigas gozam comigo e só me apetece bater-lhes. Nunca saio de casa sem ser para ir para a escola”.

Nas mãos da psiquiatra Fernanda Dourado, as folhas impressas com alguns desabafos de pacientes na adolescência são pungentes. “Uma das abordagens que tento é fazer com que escrevam no computador o que sentem, imprimam, misturem com outras folhas com frases ou citações diferentes e me entreguem. É óbvio que ambos sabemos quem escreveu, mas acredito que o ‘peso’ fica um pouco mais diluído. É um começo”, defende.

Explosões de mau humor seguidas de gargalhadas e parvoíces. Bater com a porta. Passar dias e dias sem dizer meia dúzia de palavras. Revirar os olhos ou remusgar se um adulto pretende manter uma conversa, por mais trivial que seja. Responder através de monossílabos. Afirmar-se a maior vítima do planeta e arredores. Bater com a porta do quarto e recusar vir à tona. Ou sair de manhã e só voltar a altas horas. Tudo isto é habitual na adolescência e gerido – com maior ou menor paciência – por quem tem de lidar com um cocktail explosivo de hormonas, saída do casulo familiar protetor e abertura às tentações e desafios do mundo lá fora.

Ser adolescente é acreditar piamente que ninguém nos compreende, em especial a mãe e o pai. Que nunca vamos ter sorte no amor. Que a vida dos amigos é bem mais interessante que a nossa. Que o Facebook, o Instagram, o WhatsApp, o Twitter e os canais do YouTube alheios mostram vidas perfeitas que nunca serão as nossas. Que os professores têm uma embirração especial connosco. Que só vestimos trapos e que nenhuma maquilhagem nos fica bem. Que seremos sempre o mais baixinho no grupo de amigos. Ou o mais gordo. Ou que tem acne irredutível. Em suma, que viemos ao mundo para sofrer, nem que seja por uma tarde, dois dias, uma semana ou enquanto não fazemos as pazes com a melhor amiga, com a namorada ou namorado. Ou enquanto uma foto postada recebe muitos likes.

Depressão: Adolescentes Tristes

Será grave?

Mas que fazer quando as nuvens negras passam de pontuais a permanentes? Quando nunca há risos e alegria para equilibrar as lágrimas? Será que estamos perante um quadro mais grave?

“Os últimos trabalhos na área indicam que um em cada oito adolescentes pode experimentar sinais depressivos ou entrar mesmo em depressão”, alerta Fernanda Dourado, para quem “o primeiro grande desafio, em todas as situações, é procurar distinguir-se se estamos ou não perante esta doença. Correndo o risco de ser simplista, diria que se os sinais de tristeza, alheamento e apatia se mantêm durante um período significativo de tempo e limitam a capacidade da pessoa de funcionar em sociedade e até a sua própria autonomia, podemos estar a lidar com uma equação depressiva”.

Há múltiplas razões pelas quais os adolescentes podem entrar em depressão. “Se pegarmos nas questões difíceis e sentimentos pesados com que temos de lidar durante toda a vida e lhes juntarmos a revolução hormonal, a maturidade emocional com altos e baixos, as tentativas e frustrações de relacionamento social, a concorrência interpares e o que eu chamo de ‘furacão online’ o admirável é a capacidade de resistência dos jovens!”, garante a especialista.

Chegado ao ponto em que os profissionais de saúde são chamados a agir, a metodologia adotada é diferente de caso para caso e envolve não só a adolescente, mas também quem faz parte do seu universo emocional. “Não é possível sequer falar numa hipótese de depressão sem conhecer a família nuclear, os amigos mais próximos, os professores, treinadores desportivos e outras figuras de acompanhamento e autoridade, de forma a perceber, como entendem a situação e o que têm a dizer”, afirma Fernanda Dourado. “E este é só o ponto de partida”, acrescenta.

Com base nessa primeira análise são então apresentadas conclusões iniciais sobre a gravidade da situação e uma abordagem terapêutica que pode, entre outras estratégias, envolver a prescrição medicamentosa, psicoterapia individual ou familiar e, nos casos mais agudos ou graves, internamento hospital. É o exemplo das tendências suicidas que, de acordo com o psiquiatra, “infelizmente acabam por se concretizar em cerca de um por cento das tentativas”.

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Corrida de obstáculos

Bruno Fonseca é psicólogo e, hoje, divide-se entre o trabalho em consultório e o apoio dado a alunos de três escolas do Básico e Secundário. “Não há ninguém que passe pela adolescência sem dias maus. É impossível. Por vezes, basta uma má nota, uma discussão com o namorado ou a namorada, poucos ‘likes’ numa fotografia no Facebook, uma borbulha enorme no meio do nariz… com exceção do mundo online, que não existia na geração dos pais dos jovens de hoje, nada disto é especialmente novo e, se rebuscarmos nas nossas memórias, podemos ir buscar muita empatia”.

As boas notícias é que, quase sempre “o adolescente tem a capacidade de ultrapassar e deixar no passado o que o entristece. Pode demorar mais ou menos tempo, pode fazê-lo sozinho ou necessitar de apoio, mas provavelmente chega lá. E chega lá mais forte, mais preparado, com novos trunfos. É como digo nas minhas sessões: a vida é uma corrida de obstáculos e quando passamos para o lado de lá, aparece outro. O importante é mantermos a capacidade de continuar a saltar aprender com esses saltos, mesmo quem por vezes, aconteçam umas quedas”.

Aos adultos de referência, “e para além de doses reforçadas de paciência, bom humor e capacidade de relativizar situações”, Bruno Fonseca recomenda “a coragem de deixá-los fazer asneiras e não cumprir exatamente aquilo que lhes é pedido”, bem como “fugir à tentação de desvalorizar sentimentos, dores e angústias”.

O fim de um namoro, um exame com maus resultados ou noites em branco causadas pela angústia sobre se as notas serão suficientes para entrar na faculdade “podem parecer triviais ou ultrapassáveis vistas de fora e de uma perspetiva mais madura, mas doem ao próprio, mesmo que apenas temporariamente”.

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Diagnóstico, precisa-se

Se a resiliência é tão comum na adolescência como a tendência para sentimentos extremados e efémeros, um cenário bem diferente acontece quando “nada parece ajudar a dar a volta e a família, os amigos, os professores, sentem que o adolescente se ‘enfiou num poço’ de onde não quer ou não consegue sair”.

Bruno Fonseca admite que “não é nada fácil chegar à conclusão de que estamos perante mais do que tristeza, hormonas a fazerem das suas ou o jovem a ser isso mesmo: jovem. Remetendo-me ao meu papel de pai, acredito que são os adultos mais próximos emocionalmente que possuem a capacidade de distinguir comportamentos e sinais de alarme, mesmo que seja um trabalho de detetive!”.

Para Fernanda Dourado, um dos maiores perigos da depressão na adolescência é, precisamente, deixar passar tempo demais. “Esta é uma das doenças em que mais se verificam subdiagnósticos ou diagnósticos tardios” diz, lembrando que “as características de imaturidade emocional da juventude tornam a destrinça extremamente trabalhosa”.

Se é evidente que algo de grave se passa, “com um adolescente que se corta com facas ou tesouras, que se morde ou arranca os cabelos, que tem explosões incontroláveis de raiva, que passa os dias sem comer, que come desalmadamente ou que fala recorrentemente em morte”, mais difícil é apontar para depressão quando os sinais são menos espetaculares. “E pode haver muito sofrimento escondido por trás de uma fachada de apatia, de indiferença, de ‘deixa andar’ e até de um desempenho escolar perfeito, mas onde não há amigos, outros interesses e até um ou outro disparate ocasional!”.

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Quais os fatores de risco

A depressão pode atingir qualquer adolescente, mas há alguns fatores de risco no aparecimento da doença:

  • Ser rapariga
  • Obesidade
  • Baixa autoestima
  • Poucas ferramentas sociais
  • Ser vítima de bullying e/ou ciberbullying
  • Ser vítima e/ou testemunha de abuso físico ou sexual
  • Ter distúrbios alimentares
  • Ser doente crónico
  • Perturbações de aprendizagem
  • Consumir tabaco, álcool ou drogas
  • Ter uma orientação sexual minoritária
  • Antecedentes familiares de depressão, transtorno bipolar ou adição
  • Antecedentes familiares ligados ao suicídio
  • Eventos recentes traumatizantes como uma morte ou divórcio.

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Sinais de alerta

Confundidos com as habituais e repentinas mudanças de humor, isolamento dos pais ou ação das hormonas, os sinais podem facilmente passar despercebidas. Há que preocupar-se se:

  • Apresenta estados prolongados de tristeza, com ataques de choro repetidos, sem motivo aparente
  • Apresenta irritabilidade, frustração e raiva permanentes, também sem motivo aparente
  • Perde o interesse por atividades e hobbies e desleixa compromissos quotidianos
  • Afasta-se da família e dos amigos ou alimenta relações tensas
  • Verbaliza sentimentos de culpa, autocrítica e inutilidade
  • Necessita de tranquilização externa em relação a temas habitualmente autogeridos
  • Apresenta dificuldades de memória de concentração e em tomar decisões, mesmo as mais corriqueiras
  • Mostra mágoa e sensibilidade excessivas perante eventuais falhas, reais ou imaginárias
  • Verbaliza um futuro pouco esperançoso
  • Verbaliza interesse em temas como a morte e/ou suicídio

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Novos tempos, novas ansiedades

A “Childline”, linha britânica de apoio telefónico a crianças e adolescentes, realizou um estudo para determinar o que mudou nas preocupações dos mais novos. Se em 1986 os abusos sexuais e físicos, os problemas familiares e a gravidez indesejada estavam no topo dos problemas, nos dias de hoje as questões principais prendem-se com a baixa autoestima, bullying (e ciberbullying) perda de referências familiares, a imagem nas redes sociais, ter poucos amigos nessas mesmas redes e a ânsia de copiar o “corpo perfeito” das celebridades. Fernanda Dourado concorda que as plataformas contemporâneas de comunicação, tais como as redes sociais e o acesso “às vidas dos ídolos” aumentaram a pressão.“Todos as usamos como montras e, como tal, nem sempre correspondem à nossa realidade. Diria mesmo que raramente o são. Mas o facto é que passam mensagens que são absorvidas rapidamente e criam fasquias tão altas e irrealistas que se tornam perigosas para quem não possui capacidade de as filtrar”.

Fonte:

Sofia Castelão

Pais & Filhos, número 301, fevereiro 2016

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