O açúcar é um veneno, o leite provoca inflamação, o fiambre favorece o cancro, o pão branco é “lixo”… as massas têm glúten, o arroz só se for integral, soja nem pensar! Frutas e legumes sim, mas biológicos. Carne só de pasto e peixe do mar alto… Todos os dias, somos confrontados com informação diversa, muitas vezes contraditória, teorias para todos os gostos e apetites. E na hora de fazer escolhas, levantam-se as dúvidas: afinal, que alimentos podemos e devemos dar aos nossos filhos? O que não pode faltar no prato da refeição e o que deve ficar de fora?

“No dia alimentar de uma criança, devem estar presentes os produtos hortícolas, a fruta, os cereais, os seus derivados ou a batata, as leguminosas, os lacticínios, a carne, o pescado ou os ovos e as gorduras de boa qualidade, como o azeite”, resume a nutricionista Helena Real, da Associação Portuguesa de Nutricionistas, sublinhando que a água deve ser a bebida de eleição e “deve ser consumida ao longo do dia para manter os bons níveis de hidratação”. Do outro lado dos produtos a evitar, a lista é clara; “Produtos açucarados com muito sal ou gordura, como é o caso das carnes processadas, os fritos e os doces.”

A pediatra Joana Appleton Figueira lembra que os legumes e/ou salada são essenciais nas refeições principais e “deverão ocupar cerca de metade do prato (as quantidades variam obviamente com a idade e o apetite da criança)”. A sopa, sendo um hábito português, pode substituir os legumes do prato, mas tem de ser rica e variada. “Se for só de batata e cenoura (como as crianças gostam tanto…) é menos interessante do que um prato com legumes de várias cores”. Regra geral, não deve faltar uma fonte proteica (carne ou peixe ou ovos), diz a pediatra, lembrando que, “no caso das dietas veganas, as proteínas podem ser de origem vegetal, mas será preciso atenção e suplementação da alimentação dessa criança”. Os hidratos de carbono “devem ser de combustão lenta, como a batata doce, os cereais e arroz integral, a quinoa…” E a fruta fresca não pode faltar: “Duas a três peças por dia”.

Alimentação: O que eles podem comer?

Então e o leite?

Aquele que foi considerado, durante anos a fio, como um superalimento, rico, completo e essencial ao saudável crescimento das crianças é hoje contestado por muitos e deixado de lado por tantos outros. Estudos recentes indicam que o leite de vaca está associado ao risco de anemia por deficiência de ferro, alergias e até um possível aumento do risco de aterosclerose. “A forma como se fala dos benefícios do leite e como seria impensável uma criança crescer saudável sem beber esse precioso líquido é apenas um mito”, defende Eugénia Varatojo, especialista em alimentação macrobiótica, acrescentando que “todos os dias chega-nos informação completamente errónea sobre o consumo do leite”. Um problema que não é exclusivo deste produto: “Existem muitas campanhas a outros produtos que levam ao seu consumo diário e abusivo e, na maioria das vezes, bastante prejudicial à saúde”, alerta. “Se nos preocupamos com a saúde dos nossos filhos e queremos uma vida mais saudável então devemos estar mais atentos à qualidade do que compramos e comemos. O leite, por exemplo, pode ser substituído por bebidas feitas a partir de cereais integrais, como a bebida de arroz, de espelta, de aveia, de amêndoa, etc. Estas bebidas são uma excelente alternativa e são de origem vegetal. Porém, na minha opinião, para um desenvolvimento saudável, as crianças necessitam essencialmente de comida de prato, que pode ser bastante variada e rica em cereais como o arroz, millet, aveia, bulgur, cuscuz, milho, massas, etc. Sem esquecer os vegetais da estação, as sementes, oleaginosas, leguminosas e seus derivados e a fruta da época”.

Para a pediatra Joana Appleton Figueira, os laticínios “não são o bicho papão”, mas existe a ideia de que o leite é um excelente alimento e por isso pode ser dado à vontade sempre que a criança o peça”. Não é bem assim: “Não deve ingerir mais que o equivalente a 500 ml de leite, em leite ou derivados, por dia”. A exclusão total do leite, defende a pediatra, “faz sentido em crianças com alergia ou intolerância provadas”.

No caso da intolerância à lactose, “podem ser usados leites sem lactose”. Já os leites vegetais, “podem ser uma opção, mas são pobres em proteína pelo que não são um equivalente nutricional”, refere a especialista, acrescentando que “os iogurtes são mais interessantes que o leite, pois para além do valor nutricional trazem fatores importantes para o equilíbrio da flora intestinal.”

Apesar de controverso, o leite continua a fazer parte da alimentação da maioria das crianças e é mesmo indispensável até ao ano de idade (idealmente materno). “Daí para a frente poderão beber ou não de acordo com a sua preferência e a vontade dos pais, tendo em atenção a introdução de outros alimentos ricos em cálcio”, refere a pediatria. O que não faz sentido, sublinha, é “dar leite com açúcar ou chocolate a uma criança que não gosta de leite”. Assim como “retirar por completo o leite a quem nunca teve problemas por causa dele”.

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Açúcar: o inimigo a abater

O açúcar é “veneno” a abater da alimentação dos mais pequenos (aliás, de todos). De repente percebemos que ele está em quase todo o lado, muitas vezes encapotado sob um nome que nos confunde e ilude. A lista de pseudónimos é longa e criativa: dextrose, maltose, maltodextrina, xarope de milho, de ácer, de alfarroba, ou de malte, néctar de agave, melaço, rapadura… Estes são apenas alguns dos nomes mais comuns que a indústria alimentar atribui ao açúcar. Se encontrar algum destes termos entre os primeiros ingredientes de um produto, o melhor é deixá-lo ficar na prateleira do supermercado.

Esta tentativa de dissimulação torna a vida dos pais um pouco mais complicada na hora de fazer escolhas: é preciso que estejam cada vez mais atentos aos rótulos e dominem toda uma nova terminologia. Sobretudo no que toca aos produtos “infantis”. Das bolachas aos iogurtes, passando pelos snacks, há açúcar em abundância, e a Organização Mundial de Saúde recomenda que o seu consumo diário não chegue aos 10 por cento do total de calorias ingeridas (idealmente deverá ficar abaixo dos cinco por cento, sem contar com o açúcar naturalmente presente nas frutas ou no leite).

Alimentação: O que eles podem comer?

O “truque” para evitar produtos menos bons é simples: quanto menor for a lista de ingredientes, melhor. Se pensarmos bem, os melhores alimentos (como os legumes ou a fruta) nem sequer têm lista de ingredientes… Aliás, a regra de ouro é evitar, dentro do possível, os alimentos processados e optar por uma alimentação natural. “Também se cresce sem bolachas Maria…”, lembra a pediatra Joana Appleton Figueira.

Além do açúcar, hoje fala-se também dos malefícios do glúten e da importância de escolher produtos “glúten-free”. Mas será mesmo necessário? “O glúten deve ser completamente excluído da dieta das crianças com doença celíaca já diagnosticada ou com alergia comprovada ao glúten”, sublinha Joana Appleton Figueira, acrescentando que vários estudos confirmam também a existência de intolerâncias não celíacas, responsáveis por uma série de alterações (digestivas e não só) em parte da população”. A verdade é que o glúten está cada vez mais presente na alimentação, “quer pelo hábito de ingerir cada vez mais alimentos baseados em farinhas de trigo refinadas, quer pela evolução do próprio trigo por técnicas de engenharia agroalimentar”. Assim, defende a pediatra, “todos beneficiam de uma diminuição do consumo destes alimentos”. A nutricionista Helena Real lembra, contundo, que “a eliminação de determinados cereais que contêm glúten (trigo, centeio, cevada) conduz a uma eliminação de outros nutrientes importantes para o bom crescimento e desenvolvimento das crianças como vitaminas do complexo B”.

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Bom senso e produtos de época

O que deve, então, orientar os pais na hora de gerir informação sobre alimentação, para garantir que dão o melhor aos seus filhos? “Bom senso”, diz a nutricionista Ana Perdigão e a consciência de que “a alimentação é uma necessidade básica, e como tal não deve ser usada como recompensa nem castigo, e é um dos fatores comportamentais com maior impacto significativo na saúde atual e futura”.

Vale a pena, por isso, “criar bons hábitos desde idades muito precoces”. E esses hábitos começam na escolha dos alimentos: “Comprem legumes e fruta da época biológicos pois são produtos que não apresentam químicos ou pesticidas; produzem cozinhar cereais inteiros em vez de refinados; substituam o açúcar por adoçantes naturais e preparem sumos e batidos com fruta e bebidas vegetais”, aconselha Eugénia Varatojo.

Em caso de dúvida, há sempre a Roda dos Alimentos para consultar, onde esses bons hábitos estão expressos: o dia alimentar típico está la “nas proporções dos vários grupos de alimentos representados”, lembra Ana Perdigão. E os que lá não estão – os “maus da fita” – ficam reservados para “os dias de festa”. Sim, porque exceções “devem ser sempre permitidas”, lembra a pediatra Joana Appleton Figueira. “Devemos fornecer às crianças os alimentos em que acreditamos e fazer deles a base da sua alimentação, mas não demonizar outros alimentos que possam surgir noutra ocasião. Não vem mal ao mundo se a criança comer um pouco de fiambre ao lanche em casa de um amigo. Até porque o fruto proibido é o mais apetecido…”

Alimentação: O que eles podem comer?

De pequenino…

Aos dois, três anos as crianças portuguesas já têm consumos alimentares pouco saudáveis. Estudos recentes realizados por investigadores da Universidade Católica e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto revelam, por exemplo, que aos dois anos 17 por cento já consomem bebidas açucaradas, sobremesas e doces todos os dias e que, na grande maioria dos casos analisados, o consumo de sal é superior ao máximo recomendado (cinco gramas por dia).

Um ano sem açúcar

Será possível uma família com duas crianças (de seis e 11 anos) passar um ano sem consumir açúcar? Sim, não é fácil, mas é possível. Os norte-americanos Schaub fizeram-no em 2011 e contam tudo no livro “Year of No Sugar”. No início, as filhas choraram muito, mas decidiram cumprir o objetivo (sabendo que, em ocasiões especiais, haveria lugar a uma pequena exceção). Os resultados, dizem são surpreendentes: o paladar alterou-se ao longo do tempo, começaram a sentir-se melhor e com mais energia e ficaram menos vezes doentes nesse ano. No final, não perceberam que até já nem gostavam assim tanto de doces. O mais complicado foi fugir dos produtos com açúcar: “Tive que procurar supermercados alternativos e começar a fazer o nosso próprio pão”, conta a mãe.

Alimentação: O que eles podem comer?

Fonte:

Teresa Martins

Pais & Filhos, número 302, março 2016

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